quinta-feira, 27 de junho de 2013

The Last of Us, a surpresa da Naughty Dog na despedida do Playstation 3

As melhores estórias de zumbis não giram em torno dos desmortos e sim dos sobreviventes. Isso vale desde o clássico absoluto de George Romero A noite dos mortos-vivos ao seriado de sucesso da Fox, The Walking Dead, baseado nas famosas HQs de Robert Kirkman. Quando a Naughty Dog, reconhecida pela série Uncharted, anunciou The Last of Us pra Playstation 3, muitos acharam que um Uncharted com zumbis estava a caminho. Eis que a Naughty Dog resolveu surpreender a todos, entregando uma trama épica, com protagonistas fortes e coadjuvantes profundos e que, tirando elementos de jogabilidade, muito pouco lembra a série de aventuras de Nathan Drake. O jogo pode ter bugs gráficos e de áudio bem como problemas inerentes à jogabilidade em jogos de tiro em 3ª pessoa mas todos esses pormenores acabam ficando em segundo plano perto do que The Last of Us representa.

Um Uncharted com zumbis ou uma grande surpresa?

Por mais que o destaque da narrativa seja voltado aos sobreviventes, The Last of Us entrega uma solução inovadora ao gênero: uma pandemia causada por um fungo que realmente existe, uma variação do Cordyceps, o Cordyceps Unilateralis. Esse fungo invade o sistema nervoso de insetos modificando seu comportamento em benefício do fungo parasita, tornando o inseto uma espécie de zumbi. A equipe da Naughty Dog teve a ideia ao assistir um documentário da série Planet Earth, eles só especularam a possibilidade do fungo sofrer uma mutação que passasse a afetar seres humanos. No universo do jogo, o fungo se reproduz através de esporos que infectam a pessoa e se instalam no sistema nervoso central, brotando de dentro pra fora, por isso o visual bizarro dos infectados, pessoas com "cogumelos" saindo de suas cabeças. A infecção se dá ou pela respiração do esporo do fungo em áreas contaminadas ou pela mordida de um infectado, tal como acontece com zumbis. A ideia do Cordyceps dá um novo fôlego criativo ao já desgastado gênero "terror com zumbis", renovando o conceito pra apresentar uma trama mais profunda não apenas pelos personagens mas pelos detalhes em torno da pandemia que dá ritmo à narrativa.

O efeito da infecção do Cordyceps Unilateralis em uma pobre aranha...

O jogo começa com um prólogo abordando o começo da pandemia do ponto de vista de Joel, um dos protagonistas, sua filha Sarah e seu irmão Tommy. Essa parte funciona mais como uma introdução aos personagens que uma fase tutorial propriamente dita, tanto que o jogador começa controlando a Sarah em busca do pai na casa da família. No fim do prólogo o jogador presencia a tragédia do passado de Joel, logo no princípio do caos generalizado causado pela pandemia, quando ele tenta fugir com a filha e o irmão. Joel vê sua filha Sarah morrer em seus braços sem poder fazer nada até que acontece um corte pra uma breve exposição do surto da pandemia durante os créditos iniciais do jogo, lembrando a abertura do remake de Madrugada dos Mortos, de Zack Snyder. Ficamos sabendo então que 20 anos se passaram e é verão quando conhecemos o sobrevivente e amargurado Joel, desgastado pelo tempo, sisudo e quieto, ao contrário de sua nova parceira Tess, ativa e inquieta. Ficamos sabendo que eles levam a vida como contrabandistas em Boston, ganhando a vida com a escassez de recursos e mantimentos.

Joel e Tess

Logo de cara os fãs de Half-Life vão perceber que o jogo lembra muito o clássico da Valve. Enquanto Joel e Tess andam pelas ruas controladas pelos militares de Austin, os NPCs interagem entre si e com o jogador. Uma cena forte se passa logo que Joel e Tess saem de casa quando um grupo militar faz uma verificação em busca de infectados em um grupo de civis, um deles está infectado com o fungo e é prontamente executado com uma seringa por um dos oficiais enquanto outro tenta fugir e ali mesmo é fuzilado enquanto tudo que o jogador pode fazer com Joel é testemunhar o ocorrido. Se aproximar dos militares é pedir pra levar um empurrão e um aviso pra sair dali. Sutilmente o jogo informa que nesse futuro a pandemia foi contida pelos militares, que nessa sociedade detém o poder e mantém as cidades em lei marcial, contudo infectados aparecem aqui e ali e são prontamente eliminados sem cerimônia, quem reage é prontamente executado. Instantes depois acontece um ataque dos Vagalumes, um grupo rebelde que enfrenta os militares e se oferece como alternativa ao governo ditatorial, declarando buscar uma solução pra pandemia.

A presença dos militares é uma das ameaças constantes no jogo

Passado o breve tutorial e enfrentados os primeiros inimigos conhecemos a outra protagonista do jogo, Ellie. Uma adolescente comum, inocente e feliz mas determinada a cumprir sua missão, perfil que aos poucos vai mudar drasticamente ao longo da jornada. A partir do encontro dos protagonistas o jogo se revela praticamente um road movie já que de agora em diante a jornada de Joel e Ellie dita os acontecimentos até o final do jogo. O percurso da dupla começa em Boston, passa por Pitsburgh, Salt Lake City e volta ao fictício Jackson County, em Wyoming, no final, tudo ao longo das 4 estações do ano que passam em sua jornada. Tudo que pode se dizer sem entregar spoilers da trama é que a dupla encontrará situações inesperadas seja com outros grupos de sobreviventes ou mesmo infectados. O jogo é tenso, com um clima infeliz e não vai poupar o jogador de momentos difíceis ou dar fôlego pra se recuperar dos acontecimentos chave do jogo nas praticamente 20h de jogo. A relação entre Joel e Ellie é o ponto chave da trama e representa a busca de Joel por redenção com o próprio passado trágico. É interessante notar o cuidado com os diálogos da dupla e como a relação entre Joel e Ellie vai se desenvolvendo ao longo do jogo, mostrando a mudança de comportamento de um com o outro e o quanto eles dependem um do outro pra sobreviver até o final da jornada. Outro ponto interessante é perceber ao longo do jogo que o pior inimigo não é o fungo ou os infectados e sim os sobreviventes. Ponto pra Naughty Dog pela ousadia de colocar o quanto "os últimos de nós" podem tornar o mundo um lugar pior, mesmo após uma pandemia terrível dizimar boa parte da população.

Joel e Ellie em sua viagem pelo país

O jogo toma aspectos de um survival horror em ambientes fechados e escuros, com pouca munição e recursos, isso até quando de repente o ambiente aterrador e claustrofóbico muda pra uma paisagem exuberante cheia de vida com a natureza tomando conta do que restou das cidades por onde o jogador passa, quebrando com qualquer chance de rotular o jogo como um survival horror. Não há como enquadrar o jogo num nicho específico, o gameplay varia em diversas situações. O que se pode dizer é que a melhor linha de ação é evitar o confronto, seja com infectados ou sobreviventes hostis, quanto mais o jogador economizar munição, melhor, mas se o jogador optar por jogar como se estivesse jogando um jogo de ação frenética, tudo bem, a dificuldade aumenta com a escassez de recursos e a ferocidade dos ataques inimigos mas não é impossível tomar esse tipo de curso no gameplay. O melhor é seguir o que os personagens repetem ao longo da trama "faça cada bala valer a pena". The Last of Us não é um jogo fácil quer o jogador escolha evitar o confronto jogando furtivamente ou optar por enfrentar diretamente todos os inimigos.

É melhor evitar o confronto e ser furtivo que gastar a escassa munição no jogo

Entre os infectados, existem 3 variações básicas: o estágio inicial com os corredores que ainda são capazes de enxergar, os estaladores cujo fungo que brota de dentro do cérebro já tomou a cabeça fazendo com que eles percam a visão mas contem com uma audição aguçada, e os vermes cuja infecção se espalhou por todo corpo. Tanto os estaladores como os vermes podem matar o jogador de imediato, basta apenas se aproximar deles. E acredite, existem trechos repletos de estaladores à espreita. Os corredores também não facilitam, basta um pequeno grupo encurralar o jogador e a morte também é certa. Os vermes são raros mas quando aparecem dificultam muito pois são capazes de atacar à distância lançando esporos no jogador.

Os estaladores não perdoam, um erro significa voltar ao chckpoint anterior

Entre os oponentes humanos, os tiros causam um dano considerável e não basta tomar cobertura pra evitar as balas inimigas, em vários momentos enquanto se atira em um adversário, outro vem cercar o jogador e intensificar o ataque seja atirando também ou com armas brancas como tacos, facões ou canos. Por isso, quando o confronto é iniciado, melhor terminar logo com os adversários antes que apareçam mais reforços ou a situação só vai piorar.

Surpresa...

 O arsenal do jogo é bastante variado e pode ser atualizado com peças encontradas ao longo do jogo. Da mesma forma as habilidades também podem ser evoluídas seja com o aumento da saúde de Joel, da habilidade com a arma ou mesmo com a faca, permitindo se defender de estaladores sem que estes matem o jogador de imediato, facilitando um pouco os confrontos. Os itens como facas, medpacks e bombas podem ser construidos pelo jogador com pedaços que são encontrados no cenário. Além disso existem vários colecionáveis ao longo do caminho como pingentes dos Vagalumes, HQs pra Ellie, cartas de sobreviventes, mapas ou mesmo manuais que ajudam a aumentar dano nas armas ou a capacidade dos medpacks. O mais interessante é que pra fabricar itens, melhorar as habilidades, aplicar um medpack ou mesmo visualizar um colecionável, Joel para pra acessar sua mochila, ficando vulnerável enquanto estiver executando a ação podendo ser morto a qualquer momento caso tenha algum inimigo por perto. Isso aumenta ainda mais a tensão do jogo.

Acessar o inventário pode ser tenso

Mas nem tudo são flores e mesmo com todos esses pontos positivos, The Last of Us tem seus problemas. A dublagem em português brasileiro ficou muito boa, o problema é que o áudio tem problemas em vários momentos durante o jogo quando Ellie e Joel conversam. Pode se ouvir bem a fala do Joel mas quando ele está longe da Ellie mas mal se ouve a resposta dela, isso quando se pode ouvir. Fica impossível jogar sem legendas e entender tudo que os personagens falam só de ouvido. O problema é que as legendas nem sempre batem com a dublagem e em alguns momentos sequer foram traduzidas pro português. A situação das conversas não ajuda também quando se entra no modo furtivo pra eliminar um inimigo, por vezes a Ellie ou outros companheiros falam em situações inadequadas, entregando sua posição pro inimigo mesmo quando se planeja um ataque furtivo. Um exemplo disso é no cemitério, por mais que se mate a maior parte dos estaladores sorrateiramente com a faca, em um dado momento ou Bill ou a Ellie entregam sua presença, impossibilitando que se mate todos os estaladores da área furtivamente. Infelizmente não há um comando que faça com que os companheiros parem em um determinado local esperando. Também não são poucas as vezes em que um companheiro passa na frente de um inimigo e esse não faz nada, quebrando drasticamente a imersão no clima tenso do jogo.

Cuidado com os bugs! Companheiros tagarelas podem entregar sua posição aos inimigos!

Outro problema acontece quando se morre perto do próximo checkpoint e o jogo volta a partir dele, sem que se tenha passado da parte em que se morreu. Isso aconteceu durante o gameplay desse review em alguns pontos como no cemitério ao enfrentar um grupo de estaladores, quando o último deles conseguiu matar Joel, o jogo continuou da área seguinte, como se todos os estaladores tivessem sido mortos e o checkpoint tivesse sido alcançado. A sequência com a camionete também sofre com o bug, o Joel morre com um estalador antes de entrar no carro e ao voltar o checkpoint já aparece dentro da camionete. Isso também se repetiu no inverno, na parte em que se joga com a Ellie, durante um confronto com um inimigo chave da etapa, muitos jogadores tem tido o mesmo problema em outros momentos e isso atrapalha um pouco na busca por um desafio maior. Esse bug e os demais felizmente podem ser consertados com atualizações, o que é animador, visto que seria injusto depreciar o jogo em função de detalhes que podem e vão ser consertados.

Ellie em ação

Os gráficos são um dos pontos altos do jogo. As expressões de Joel, Ellie e de todos os demais coadjuvantes são ricas em detalhes, os maneirismos de cada personagem, os detalhes nas roupas e na movimentação, tudo trabalhado nos mínimos detalhes. Joel não é nenhum garotão e se move de acordo com sua idade, quando corremos com o personagem, fica bem claro o peso da idade na movimentação do personagem, ao contrário da ágil e habilidosa Ellie quando ela é controlada pelo jogador. As texturas da água também impressionam bem como o movimento dos esporos ou mesmo das folhas no cenário, a variação de estações serve pra enriquecer ainda mais a paleta de cores e a variação das texturas. Na verdade os gráficos e animações estão tão bonitos que muitos estão questionando se existe mesmo a necessidade de uma nova geração tão imediatamente dada a capacidade do PS3 ainda poder gerar imagens tão bem trabalhadas.

A riqueza está nos detalhes dos gráficos do jogo

The Last of Us ainda conta com um modo + após o término da campanha, o que permite se recomeçar o jogo com as melhorias nas armas e habilidades adquiridas durante o gameplay anterior, apenas os colecionáveis voltam do zero. Além disso, o jogo também tem um multiplayer interessante chamado "facções" que funciona como um complemento ao universo do jogo onde o jogador opta por jogar com os Vagalumes ou Caçadores em busca de recursos e mantimentos pro grupo. Cada grupo enfrenta o outro em mapas da campanha principal, a cada adversário morto, mais peças o jogador acumula. Auxiliar os companheiros ou encontrar mantimentos no caminho também aumentam o número de peças acumuladas, o que depois é contabilizado no final da partida e conta como recurso pro grupo de sobreviventes escolhido.

O modo multiplayer complementa o universo do jogo garantindo ainda mais horas de diversão

Por esses motivos e outros tantos, The Last of Us é uma das melhores surpresas do ano. Mesmo com defeitos aqui e ali, o jogo surpreende. Uma trama que inova num gênero já desgastado com tantos jogos e filmes medianos, personagens carismáticos com uma profundidade incomum ainda nos games e conflitos dignos dos mais sofisticados dramas aliados a um gameplay rico e variado tornam The Last of Us um forte candidato a jogo do ano. Se vai vencer ou não, não importa. O que importa é a iniciativa da Naughty Dog em criar um jogo novo, com personagens cativantes, uma trama criativa e um gameplay desafiador e inteligente, sem que se deixe o jogo virar um mero filme interativo, bem como um jogo de tiro descerebrado, e sim uma experiência completa, profunda e significativa. Num mercado onde o mais seguro seria seguir com mais um jogo da franquia Uncharted, a Naughty Dog ousou e nos presenteou com um jogo sensacional. Parabéns pra Naughty Dog e que venham mais e mais jogos como The Last of Us.


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