terça-feira, 18 de junho de 2013

A história das adaptações que poderiam ser épicas mas faltou capricho ou um review de Star Trek: The Game


A indústria de games criou um clichê no que se refere a jogos baseados em franquias de outras mídias como cinema, TV, livros ou HQs: quase sempre são jogos ruins. A maioria tem defeitos terríveis no gameplay, gráficos, narrativa, falta de inovação... a lista de problemas é tão grande quanto o número de jogos lançados baseados em outras mídias. O problema é que esses jogos tem venda certa pra um determinado público: os fãs. Mesmo que não seja um sucesso em vendas digno de dar orgulho a um Call of Duty, a Activision insiste em lançar jogos medianos de James Bond porque sabe que os fãs de 007 vão querer jogar com o personagem e aí com isso começa o ciclo que gera esses jogos medianos.

007 Legends

A publisher, depois de garantir os direitos da franquia, manda o jogo pra uma desenvolvedora pequena, que vai em um curto espaço de tempo e/ou com uma equipe limitada, entregar um jogo do jeito que der adaptando a franquia em questão, quase sempre um jogo medíocre. A publisher gasta com os direitos da franquia e economiza com a equipe de desenvolvimento e como a venda é certa pros fãs, a margem de lucro pode ser melhor que a de muitos jogos cujo desenvolvimento é caro e o lucro é incerto. Aliens: Colonial Marines é um exemplo de como isso pode dar muito errado, um jogo que muitos esperavam mas que no final decepcionou até os fãs. O RPG de Game of Thrones da Cyanide Studios e da Atlus também, esse ao menos tinha uma boa trama pra agradar os fãs mas o gameplay ficou muito fraco pra fãs de bons RPGs.

Aliens: Colonial Marines

Existem exceções à essa regra vide o trabalho da extinta Lucas Arts com os jogos de Star Wars: apesar de aqui e ali ter um jogo mal feito, eles lançaram clássicos como Rebel Assault, Dark Forces ou mesmo Force Unleashed. O mesmo um dia valeu pra Star Trek quando era a saudosa Interplay quem cuidava dos jogos da tripulação clássica da USS Enterprise. Naqueles tempos jogos como o adventure The Judgement Rites ou o simulador espacial Starfleet Academy eram sucessos de crítica e vendas por serem jogos bem feitos e ao mesmo tempo agradar aos fãs em cheio pela fidelidade ao material original.

Lucas Arts, responsável pelos clássicos de Star Wars nos games

Infelizmente isso quase acontece com o novo Star Trek: The Game. Uma pena ter ficado no quase. Star Trek é um jogo de tiro em 3ª pessoa que lembra em alguns momentos a série Mass Effect apesar de ter a premissa de ser um jogo co-op com Kirk e Spock, lembrando de leve Gears of War. O jogo é inspirado no reboot de J.J. Abrams lançado nos cinemas em 2009 e se passa entre esse filme e o novo Além da escuridão: Star Trek, recém lançado nos cinemas. Os adversários da vez, os Gorn, foram adaptados da série clássica pra manter a coerência com os eventos do reboot nos cinemas. Os fãs da série clássica dos anos 60 podem esquecer o lagarto de borracha que enfrentou William Shatner no episódio Arena e se acostumar com os lagartos sofisticados do game. Os Gorn agora são divididos em classes/espécies, seguindo uma hierarquia de comando, cada um com uma habilidade específica no jogo.

Capitão Kirk enfrenta o Capitão da Nave Gorn na série clássica e 40 anos depois pra promover o jogo

Star Trek: The Game contou com as vozes e imagens de todos os atores dos novos filmes, destacando a captura de movimentos de Chris Pine como o Capitão Kirk e Zachary Quinto como o 1º oficial Spock, os protagonistas do jogo. Mesmo com tudo isso, Star Trek peca nos gráficos e nas animações que mereciam um pouco mais de atenção, são vários os momentos em que a movimentação dos personagens parece artificial ou mesmo os personagens entram em paredes ou passam um através do outro. Um pouco mais de esmero técnico nos gráficos e o jogo seria marcante pela grande quantidade de detalhes e trejeitos capturados das imagens dos atores envolvidos. Os cenários acabam se repetindo aqui e ali apesar de alguns serem realmente bem pensados como a ponte da Enterprise.

Chris Pine dublando Kirk no jogo

No começo, o jogador escolhe entre Kirk e Spock, a jogabilidade deles tem pequenas diferenças nos diálogos e na capacidade de Spock de fazer um elo mental, uma forma do vulcano entrar na mente de outro personagem. Infelizmente no jogo as habilidades de cada personagem praticamente não refletem na jogabilidade em si, a mecânica de hackear dispositivos não é mais fácil pro Spock bem como a mira do Kirk não é mais precisa, ambos tem as mesmas possibilidades de ações durante o jogo, algo que decepciona quem esperava mais. Os dois usam o tricorder, equipamento utilizado em Star Trek como um leitor de informações sobre o local explorado, acesso remoto a outros dispositivos, praticamente um computador pessoal. No jogo o tricorder ativa uma visão que lembra o modo detetive do Batman na série Arkham, revelando itens escondidos, objetivos da missão e pontos de interação. Existe uma árvore de habilidades pra evoluir as armas e o tricorder mas o efeito quase passa despercebido ao longo do jogo mesmo quando evoluídos ao máximo.

Tela de seleção de personagem na versão pra XBOX 360

A  trama começa com um combate frenético contra os Gorn que se revela em seguida um flashforward narrativo, o tiroteio se encerra num conflito entre Kirk e Spock que será explicado mais adiante no jogo. Em seguida a ação corta pra uma estação espacial orbitando um sistema binário, numa fase que funciona como um tutorial onde o jogador aprende os comandos básicos do jogo enquanto é apresentado aos personagens e aos eventos que vão desencadear o conflito com os Gorn. O jogo se divide em capítulos, cada um em um cenário diferente como a estação espacial, Nova Vulcan, uma base da Frota Estelar, a Enterprise, o planeta dos Gorn e a nave mãe deles.

Kirk encarando Gorns nos corredores da Enterprise

Algo positivo no jogo são as mecânicas variadas como as partes em que se comanda a Enterprise ou quando se controla o personagem durante saltos entre as naves ou planando no planeta Gorn, algo que lembra cenas do filme recente e do anterior. Também é digna de nota a parte em que após um elo mental de Spock com um personagem, temos de buscar as memórias dele numa espécie de viagem astral, a cada memória encontrada, uma cinematic revela fatos importantes da trama. Os diferentes minigames de hackeamento também enriquecem o jogo chegando até a ter hackeamentos em co-op. 

Um dos minigames de hackeamento em Star Trek

O problema de todas essas mecânicas é a forma confusa como elas são apresentadas, isso quando são... Comandar a Enterprise seria um grande quick time event, uma sequência onde o jogador tem de apertar determinados botões pra seguir adiante, só que não é o caso aqui, o jogo tenta dar uma liberdade ao jogador no controle da Enterprise mas no fim tudo fica tão confuso que a batalha é vencida sem que se entenda muito bem o que aconteceu. A parte do elo mental do Spock não tem orientação alguma do que se fazer, se o jogador não perceber que deve movimentar a câmera na direção da luz, a tela continua parada na escuridão, sem nenhuma dica do que se deve fazer, o mesmo acontecendo com os hackeamentos. Por mais que se possa pedir pro parceiro hackear um sistema, é frustrante não entender logo de cara como se proceder pra ganhar mais pontos de experiência no jogo. Se bem que os pontos ganhos, quase não ajudam a alterar as habilidades dos personagens, como dito anteriormente. A partir do momento em que o jogador sabe o que fazer em todas essas partes do jogo, a experiência enriquece ficando muito mais interessante, o problema é sofrer até descobrir o que fazer.

A Enterprise em ação

Outro ponto complicado é a inteligência artificial do jogo. Testamos a versão de PS3 do jogo e não tivemos muitos problemas mas tem quem tenha tido problemas como o companheiro virtual precisar de ajuda o tempo todo, entrar na linha de fogo nas horas erradas, não tomar cobertura entre outros problemas durante o jogo. Os Gorn também não são inimigos muito difíceis de se vencer também, algo que decepciona um pouco jogadores mais experientes. Existem itens escondidos e objetos a serem encontrados ao longo do jogo que rendem bônus de experiência e troféus/conquistas mas eles quase não fazem diferença no gameplay, salvo os comunicadores que trazem diários em áudio que ajudam a revelar detalhes da trama.

Esse Gorn não parece feliz...

Mas nem tudo é problema no novo Star Trek. Uma vez compreendidas as mecânicas de hackeamento e o gameplay do jogo, a experiência se torna muito mais divertida. O co-op quando jogado com um amigo local ou online fica ainda melhor. As passagens na Enterprise, os diálogos com os personagens do elenco clássico como o Dr. McCoy, o Scotty, a Uhura, o Chekov e o Sulu animam os fãs da série antiga ou do reboot recente. As referências escondidas, as tiradas de onda com os personagens, os cenários, tudo faz parte desse novo universo alternativo criado com o reboot do filme de 2009. O jogo faz ligação com a série em quadrinhos Ongoing que conta os eventos ocorridos após o filme de 2009 e acaba exatamente onde o novo filme começa.

Kirk e Spock em ação garantem alguma diversão

Star Trek: The Game é um jogo com ideias excelentes mas infelizmente executadas com pressa. Fosse um jogo com mais tempo em desenvolvimento e seria um jogo excelente, não apenas um jogo bom depois de superadas as dificuldades no gameplay. São muitos os exemplos de jogos que mereciam mais tempo de desenvolvimento hoje em dia: Deus EX: Human Revolution teve uma equipe cuidando do gameplay das fases do jogo enquanto outra cuidava das batalhas com os chefes, resultando numa mistura confusa e incoerente. Tivessem dado mais tempo ao desenvolvimento e o jogo seria forte concorrente a jogo do ano em 2011. Algo parecido aconteceu com Star Trek: empolgou muita gente quando apresentado em 2010, fez muitos fãs da série e gamers em geral pensar que dessa vez a maldição das adaptações medianas seria quebrada mas infelizmente, não teve o tempo que merecia, dada a quantidade de boas ideias que apresentou. Ao menos vale como diversão garantida pra fãs ou quem estiver interessado em jogar um co-op diferente, com mecânicas variadas, algo que não tem aparecido tanto nos lançamentos recentes. Pode não ser um clássico... mas diverte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário